Civil War
- Pedro Araújo
- 10 de fev.
- 2 min de leitura

Lendo este filme à luz de uma estafada hermenêutica que confina arte a política, é tentador transformá-lo em objecto de propaganda, pois são vários os indícios que o remetem para a actualidade norte-americana: apelo ao genuíno patriota - ao extremo, reduz o país ao seu quintal; hostilização do estrangeiro; populismo do discurso presidencial; militarismo; etc. Contudo, ancorar a interpretação de Civil War na realidade sócio-política dos EUA desta última década seria reduzir o filme à espuma dos dias - creio que as suas qualidades são outras.
O país foi dilacerado por uma guerra, é o que sabemos; não são concretizadas causas ou identificadas facções ideológicas, é um combate entre o governo e o que parece ser uma coligação de Estados. O filme ganha força neste contexto propositadamente vago, pois ao abstrair de causas e causadores evidencia a falta de sentido, a incredulidade perante uma civilização em ruína. “Somos macacos de calções”, alguém disse um dia. Nas belíssimas paisagens do interior da América, pacatas cidades, cenários campestres do naturalismo americano, instalou-se o Estado-Natureza hobbesiano. O suspense cresce neste regime em que snipers ocupam as janelas, um carro desconhecido no retrovisor é um veículo de incerteza.
Assistimos ao conflicto pelos olhos de quatro repórteres pelas estradas da América profunda, declarando como objectivo entrevistar o Presidente, e também capturar imagens que, pela revelação do horror, desmobilizarão o apoio à guerra, porém, não disfarçando a ambição da foto perfeita; uma ego-trip desmascarada pela personagem da Kirsten Durst, experiente repórter de guerra, atribulada pela tragédia que já fotografou - os negativos pesam-lhe na alma. A iminência da morte não os demove, aliás, há momentos de excitação reptiliana na refrega do combate, uma pulsão pela adrenalina. "Nunca me senti tão viva", confessa uma das jornalistas. Atitudes que sugerem ser esta guerra, também, a catarse para o tédio de uma contemporaneidade anestesiada pelo entretenimento político - ninguém faz scroll, a necessidade reaveu o monopólio da dopamina.
É um filme eficaz no exercício dessa tensão inevitável uma vez abolido o Contrato Social, a Ordem. A fragilidade das instituições para a qual os moderados alertam. Nesta medida, o filme é anti-rousseauniano, pois o Homem no seu estado selvagem não é bom, antes é invariavelmente seduzido pelo conflicto.
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