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…. Como no confessionário



A deterioração da ideia de política tem-se acentuado de forma irreversível  nos últimos tempos. Durante alguns anos, depois do 25 de Abril, a palavra de um político, dita em circunstâncias formais era aceitável, credível. Sempre houve o recurso ao segundo sentido, mas, a maioria dos atores desses tempos não fugia à correção quando solicitada.

Hoje, a mentira é como que uma regra; nas mesmas circunstâncias em que noutros tempo se podia aceitar como verdade as declarações feitas, hoje mente-se como se se estivesse no confessionário. O mundo da política portuguesa foi invadido por várias espécies de tipos de novos agentes.


Alguns deles sentem-se deslocados no ambiente onde os colocaram; são os verdadeiros regimentos de comentadores, muitos deles sem saber se estão ali como personalidades independentes ou se como militantes de um partido de quem recebem instruções.

Antes deles, os novos políticos para quem o importante é fazer-se ouvir, mesmo elevando a voz, falando sobre todos os presentes. Desses, alguns já não tão novos assim, olham para a câmara como quem olha para os olhos do confessor e são capazes de dizer a mentira mais descabelada: “em 2015 a TAP foi financiada por um capitalista privado; e foi tudo transparente, tudo legal…”.

De seguida virão um ou dois comentadores dizer que o governo ainda estava em funções quando comprou a TAP com o seu próprio dinheiro. E jurarão pela sua honra, se lhes for exigido (pedido com jeito).

O(a) profissional que tenta coordenar todo este debate, conta os minutos: “nunca mais passa a hora. Quando é que o padre se vai embora?" (negando a sua condição…)

Nem tudo é mau, porém: uma noite destas assisti a uma verdadeira aula ao mais alto nível de política dada a duas vozes: por uma jornalista da CNN, Isaura Quevedo e Mariana Mortágua, a coordenadora do BE, a entrevistada.

Cada uma na sua posição, sabendo falar, usando nos silêncios necessários os ênfases obrigatórios; nada de mal-entendidos; cada uma sabe o que quer: Isaura quer levar a Mariana a dizer que a aprovação do orçamento é a melhor solução, mas nunca exagera nos argumentos; Mariana foge à resposta e faz teoria sobre os pobres e os ricos; aproveita para falar da TAP (será a política portuguesa que mais sabe do dossier).

A conversa desenrola-se a um ritmo sereno, digno, sem insinuações, com alguns sorrisos da Mariana, já que a Isaura mantém uma expressão calma, bem maquilhada, à egípcia, a fazer lembrar Cleópatra, a sábia.

De repente, a entrevista acaba e eu olho para o relógio sem acreditar. Fico sem saber o que fazer e desligo o aparelho televisivo. Depois daquela entrevista-lição, alguns padres que eu conheço fariam exatamente isso.

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