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... (i)mortalidade

A mortalidade não é uma noção que tenhamos sempre presente. É preciso um encontro real com a morte para nos apercebermos de quão frágil é a vida. Somos todos imortais até que damos de caras com uma das certezas do ciclo da vida. Um dia acaba.

Hoje em dia, com os avanços da medicina, conseguimos prolongar a vida, mesmo em casos de doenças crónicas. Se a doença não nos apanhar, a velhice chega e acaba com o assunto. A concha humana desgasta-se, perde força e brilho. Perde capacidades que nem com o milagre da medicina se conseguem recuperar. Diria eu que isto é o que é suposto acontecer. Vive-se uma vida completa, chega-se ao fim e morre-se.

 

O que me choca, na realidade, é a mortalidade de pessoas jovens. Em particular as que eu vou conhecendo. Um dia estão cá, no dia seguinte não estão. A minha reacção a estas perdas nunca varia muito. Passa invariavelmente por um “Como assim, tal pessoa morreu?” Os suicídios deixam-me zangada. O puro desperdício de potencial humano (cá está aquela palavra de que eu não gosto nada) é suficiente para me enfurecer. Os vários cancros que levam pessoas que nem à meia-idade chegam também me deixam zangada. A velhice não me choca, é o que é suposto.

Há pouco tempo recebi a notícia, completamente inesperada, que uma colega de trabalho tinha morrido. Era mais nova que eu, ou da minha idade. É uma notícia difícil de engolir. A mortalidade dos outros é assim apresentada como um facto da vida. E é isso que realmente é, um facto da vida. Nasce-se, vive-se e morre-se. Lembro-me de, quando era criança, ver filmes e pensar que não fazia mal que os homens fossem para a guerra e morressem, desde que as mulheres estivessem grávidas. Esta noção de deixar legado, de continuidade, é uma coisa que me persegue desde muito nova. A mortalidade humana não me aflige. É suposto que a concha humana chegue ao fim da validade (mas mesmo ao fim, não é simplesmente ir abaixo antes do tempo).

 

O que me causa transtorno é a continuidade para lá desse tempo. Deixar prova de que estivemos cá, ter forma de prolongar o nosso nome e que tenha significado. Quem é que daqui a 50, 100 anos vai dizer o meu nome e contar a minha história? Quem é que vai saber quem eu fui, quem eu sou, o que era importante para mim, qual era a mensagem que eu queria deixar?

A mortalidade do meu nome, o desaparecer sem quem ninguém se lembre de mim... Isso sim, angustia-me profundamente.

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